segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Laicidade e cigarro?

Pesquisando, encontrei o texto abaixo. Achei interessantíssimo já que foi o primeiro (que vi) a não resumir a questão da laicidade ao tema religioso.

FUMAR OU NÃO FUMAR EM LOCAIS PÚBLICOS – «laicismo» e «laicidade» em situações de conflitualidade não confessional

Contrariamente à concepção que, com frequência – e tendenciosamente –, se pretende fazer passar para a opinião pública, o «laicismo» constitui um dos princípios racionais basilares que enformam o contrato social que deve organizar as nossas sociedades modernas e cosmopolitas, visando a que elas possam ser amplamente livres, abertas e inclusivas, ao invés das sociedades tradicionais que, assentando em modelos identitários (de matriz étnica, histórica, religiosa, territorial, etc.), tendem a valorizar a padronização e a assumir-se, assim, necessariamente, em moldes totalitários.

A «laicidade» – ou seja, o/s modo/s de aplicação do «laicismo» – visa, afinal, num gesto de tolerência racional, alargar, tão amplamente quanto possível, o universo das livres escolhas individuais no seio de uma sociedade e, assim, permitir a expressão da/s diversidade/s – religiosa, ideológica, étnica/cultural, filosófica, estética, etc. – precisamente aí, nesses domínios onde as sociedades de matriz tradicionalista, recusam aceitar sair da norma simples da replicação comportamental, norma essa que, tantas vezes confundida com o exercício de um poder democrático maioritário, mais não é, afinal, do que uma primaríssima aplicação de uma igualmente primária – natural e irracional – «lei do mais forte».

«Laicismo» e «laicidade», contrariando também o discurso (ainda) costumeiro entre nós, não têm portanto que ver, necessariamente e em exclusividade, com as questões potencialmente conflituais de cariz religioso ou confessional.

Serve este prelúdio para introduzir o texto que aqui se anexa e que se refere a um excelente exemplo de aplicação do «laicismo» – do princípio «laicista» – a uma situação muito usual e que em nada se relaciona com a questão religiosa: o acto, hoje ainda tão frequente de os fumadores de tabaco se permitirem – e de também lhes ser permitido – o fumar em espaços públicos.

Lembra-nos muito bem Richard Hinkel Jr., o autor do texto recentemente publicado no jornal «Público» [12/10/2006], que “A liberdade do indivíduo acaba onde colide com a do próximo” (…) “o fumador reclama para si a livre opção entre fumar e não fumar” contudo “têm [terão] a mesma liberdade de opção os não fumadores que se encontram perto?”

Perante o choque das duas «liberdades», perante o conflito entre a liberdade do fumador fumar e a liberdade de o não fumador não fumar, prevalece a solução de compromisso que, instituindo a interdição para o fumador de fumar na generalidade dos espaços públicos e remetendo o exercício da sua opção de fumar para um espaço reservado para esse efeito – um espaço «privado» do grupo dos fumadores –, menos afecta a ambos os interessados, permitindo, afinal, a expressão condicionada de ambas as possibilidades de escolha.

Dizia o Padre Lacordaire: “Entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime e a Lei que liberta”.